A voz da advocacia na Constituição: da urgência da PEC da Sustentação Oral à imperiosa necessidade da “PEC da Advocacia”

Por Gustavo Machado de Sales e Silva | Conselheiro Seccional e presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB/SE

A Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Sergipe (OAB/SE) recentemente cerrou fileiras em apoio à Proposta de Emenda à Constituição nº 10/2025, a chamada PEC da Sustentação Oral. Esta importante iniciativa legislativa, apresentada pela deputada federal Renilce Nicodemos (MDB/PA), busca mais do que uma simples alteração textual; ela visa inscrever na Carta Magna, de forma absoluta, o direito à sustentação oral, seja ela presencial ou virtual, em todas as instâncias do Poder Judiciário e nos órgãos da istração Pública. Contudo, este movimento, crucial por si só, deve ser encarado como o marco inicial de uma jornada ainda mais ambiciosa e necessária: a refundação do Artigo 133 da Constituição Federal, culminando naquilo que se pode denominar a “PEC da Advocacia”.

A PEC 10/2025 não surge como um gesto performático ou por capricho corporativo. Ela é, na verdade, um último recurso institucional contra um processo de sorrateira asfixia da palavra da advocacia. Como bem pontuou Guimarães Rosa em Sagarana, “O sapo não pula por boniteza, mas por precisão”. E a necessidade, aqui, é a defesa intransigente de uma prerrogativa vital. A Lei 14.365/22 representou um avanço, ao alterar o Estatuto da Advocacia para assegurar, com clareza solar, o direito à sustentação oral em um leque mais amplo de situações. Era uma resposta legislativa madura. No entanto, o STF (Supremo Tribunal Federal), ao ser instado a aplicar a norma, preferiu a hermenêutica da exceção. Um divisor de águas ocorreu em 7 de novembro de 2023, quando a 1ª Turma do STF negou a sustentação oral a um advogado em um caso garantido pela nova lei, sob a alegação de que o regimento interno da Corte (art. 131, §2º, RISTF) não o permitiria. Embora a 2ª Turma tenha revisto seu entendimento em junho de 2024, a 1ª Turma, até onde se sabe, manteve sua posição. Este episódio soou o alarme: uma norma processual federal foi vencida por uma norma regimental interna.

Ficou evidente que, enquanto o direito à palavra do advogado depender da cortesia das instâncias e da interpretação de regimentos internos, não será direito. Será concessão. E nenhuma prerrogativa profissional pode subsistir como favor. Para agravar o cenário, o Conselho Nacional de Justiça aventou a solução ainda mais insólita de substituir a sustentação oral presencial por gravações em vídeo – a chamada sustentação assíncrona, uma palavra enlatada. Trata-se de uma caricatura de oralidade que transformaria o advogado e a advogada em meros espectadores de um processo mudo. A PEC 10/2025 ergue-se, assim, como uma muralha constitucional contra essa vulnerabilidade, assegurando que nenhum julgamento é justo quando é surdo e que nenhum tribunal é completo quando exclui a voz da advocacia.

A sustentação oral transcende a simples formalidade; ela é a espinha dorsal da presença da advocacia nos tribunais. É o instante solene em que o advogado deixa de ser um número nos autos para se tornar voz, corpo e consciência, o último escudo entre a frieza do processo e a vida que ali se julga. Como imortalizou Mário Quintana, “Não me ajeito com os padres, críticos literários e canudinhos de refrigerante: nada substitui o sabor da comunicação direta”. Um bom memorial pode impressionar, mas uma boa sustentação oral pode transformar. Em minutos, ela pode alterar a percepção do julgador, pode tocar um ponto não percebido, pode neutralizar um viés inconsciente. É, muitas vezes, o último suspiro do contraditório antes da sentença, um ato de coragem que reafirma a necessidade de a justiça escutar antes de decidir. A história da liberdade no mundo, afinal, é a história de quem falou quando era perigoso falar. A lembrança do Comício da Candelária, em 1984, onde Sobral Pinto, com o peso moral de sua voz, leu o Art. 1º, §1º, da Constituição vigente à época – “Todo o poder emana do povo e em seu nome é exercido” –, ilustra como a palavra falada pode fazer um texto ecoar com força renovada, mesmo após anos em vigor.

Defender a sustentação oral é, portanto, defender a justiça como espaço de escuta. Como palco de humanidade!

A realidade é que os conflitos, as prerrogativas ameaçadas, os direitos e o papel da advocacia e da OAB não cabem mais nas 23 palavras do art. 133 da Constituição Federal. O texto, um marco em sua época, tornou-se insuficiente. Nas palavras de Fernando Teixeira de Andrade, “Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já têm a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos”. E a advocacia não nasceu para estar à margem. É nesse espírito que a OAB/SE, através de sua Comissão de Estudos Constitucionais, presidida com orgulho por este autor, já impulsiona uma proposta de texto de PEC ao Art. 133 da CF/88 com alterações mais amplas. Esta “PEC da Advocacia” visa não apenas constitucionalizar a sustentação oral, mas também abranger prerrogativas como a filmagem de julgamentos e atos públicos, honorários advocatícios, a inclusão expressa da representação da advocacia pública e privada pela OAB e o fortalecimento da institucionalidade da Ordem, entre outros temas. O objetivo é conferir densidade normativa e alcance substancial à função constitucional da advocacia, estabelecendo um verdadeiro Estatuto Constitucional da Advocacia.

O apoio à PEC 10/2025, neste tocante, é o primeiro o, o aceno, o marco inicial. Mas não pode ser o último. Na sessão do Conselho Seccional do dia 29 de maio, a OAB/SE já disse “Sim” a esta proposta – e agora, que vá mais além: que assuma o compromisso de liderar, com coragem e visão, a construção de um novo art. 133. Que este dispositivo se transforme em um estandarte de lutas. A história nos desafia, como disse Ulysses Guimarães: “A história nos desafia para grandes serviços, nos consagrará se os fizermos, nos repudiará se desertarmos”. A advocacia e a OAB estão sendo desafiadas em sua missão histórica. A resposta deve estar à altura, na grandeza da Constituição da República. Nossa Seccional, ao acolher o pedido da deputada Renilce Nicodemos, não apenas reafirma a dignidade da advocacia, mas protege o contraditório, a escuta e a democracia substantiva no coração do processo decisório. Recomenda-se, ademais, a ampla comunicação desta deliberação, como forma de expressar todo o apoio e mobilização desta Seccional em torno da matéria.

Avancemos! Pois, se há algo que a história não perdoa, é a omissão dos que foram chamados a defender a voz, mas preferiram o silêncio. Que a palavra da advocacia – este nervo exposto da democracia – ecoe forte e clara, e se erga como a espinha dorsal de uma justiça viva, pulsante na Constituição e no cotidiano da nação. Que, sob a liderança da OAB, esta travessia para um novo e robusto Artigo 133 não seja apenas uma reforma legislativa, mas a reafirmação do nosso compromisso constitucional com a dignidade do exercício da profissão e com um Brasil onde a justiça jamais se cale e a cidadania encontre sempre seu mais eloquente defensor.

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